Autobiografias: revelações das experiências em família
A curiosidade de muitas pessoas sobre a (auto)biografia de personalidades tem se tornado cada vez mais crescente nos últimos anos. Talvez por ser um exercício literário que revele e eternize o percurso de uma vida. Foi exatamente isso que fez Miguel Nicolelis*, cientista brasileiro, que, ao escrever o livro para defender a sua teoria sobre o cérebro, utilizou sua trajetória de vida como marcação de compasso para o enredo da sua busca apaixonada por explicar, mais e melhor, o funcionamento da mente humana.
De fato, a vitalidade daquilo que sabemos tem sua energia qualificada e sustentada naquilo que somos. A grande descoberta desse cientista foi provar a plasticidade do cérebro e a sua ação democrática, colocando por terra a hipótese anterior de que cada parte do cérebro respondia por uma função específica. Isso, em uma medida, confirma que pensamos e agimos de forma singular e interconectada com a história impressa em nossos circuitos neurais e explica a impossibilidade de construir padrões de respostas para a coletividade humana. Quantos de nós já nos perguntamos: Como podem dois irmãos, nascidos do mesmo pai e da mesma mãe, que tiveram a mesma criação, ser tão diferentes?
O encanto da singularidade de cada filho exige um olhar cuidadoso de cada adulto responsável. Gestos, palavras e atitudes são decodificados internamente, por meio de sinais elétricos, de uma série de neurônios, simultânea e involuntariamente, conectados às impressões peculiares de cada história, gerando interpretações diferentes das intenções iniciais do que se pretendeu comunicar. Quando se observa a história de uma vida, não há como omitir a importância das referências humanas, formadoras ou deformadoras dessa biografia. Dessa maneira, algumas perguntas inquietam: Como cada adulto da família seria revelado na (auto)biografia do seu filho? Quais os desdobramentos que os capítulos iniciais de uma história podem representar em outras fases da vida, por mais plástico e democrático que o cérebro seja? Projetamos a vida adulta dos filhos de tal forma que eles compreendam o sentido das ações de hoje e as suas respectivas consequências?
Uma situação tem se tornado comum na vida adulta: pessoas são admitidas para o trabalho pela sua competência técnica, experiência e titulações e acabam demitidas por sua inabilidade na convivência e/ou por sua fragilidade ética, ambas as situações construídas, desde a mais tenra idade, nas vivências familiares. Há culpados nesse processo? A legislação brasileira define a culpa como negligência, imprudência ou imperícia do responsável. Logo, teoricamente, não há espaço para descuido, nem desatenção quando respondemos por um menor dependente. Não há um dia sequer que deixamos de escrever a nossa história e marcar a história daqueles com os quais temos o privilégio de conviver.
São marcas aparentes ou invisíveis, mas todas impressas, que acontecem sem retóricas sofisticadas, por meio de simples ensinamentos, capturados nas pequenas atitudes frequentes de quem se propõe a ser referência. Representar uma forte referência exige o exercício diário de ser duro com os fatos e suave com as pessoas, a fim de afastar as possibilidades de negligência, imprudência ou imperícia e dirimir, com isso, o sentimento de culpa – uma patologia cada vez mais presente nas famílias modernas e, consequentemente, nos registros (auto)biográficos.