Gestão Escolar

Criança pequena não tem querer…

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Em um processo educativo escolar, no qual as práticas são historicamente coletivas, o princípio da igualdade deve ser alvo de muita reflexão, a fim de que a injustiça não impere. Os seres humanos são plurais, intensos e apresentam percepções diferentes do mundo. Portanto, agir de maneira igual com cada um desses seres é, no mínimo, desumano, para não dizer injusto. O processo de educação formal se constitui, de um lado, pela arte da possibilidade, que transforma o possível no necessário; ao mesmo tempo que, por outro, pela ciência, que aplica intencionalidade a cada ação proposta no plano didático. O tear do ensino, na obra docente, acaba por se configurar em um desafio artesanal, tecido fio a fio, de forma exclusiva, ora com nuances mais fortes da arte, ora entretecida com a meada da ciência.

Assim sendo, como nem sempre é possível trabalhar individualmente em sala de aula, é fundamental reconhecer as necessidades comuns dos pequenos grupos e direcionar atividades diferenciadas, alternando com isso a atenção profissional. Dessa forma, é possível acompanhar de perto aqueles que precisam de mais apoio; avançar de forma complexa com aqueles que já superaram o que foi proposto, deixando-os ver que são reconhecidos nesse avanço; e, de forma pontual, ajustar, coletivamente, nos diferentes grupos, os “querentes” – aqueles que querem, mas não precisam da energia dedicada do professor ou, ainda, aqueles que não lidam de forma produtiva com o tempo de sala de aula. Não são muitos, mas estão presentes em todas as classes. Os que querem autonomia, mas ainda não conquistaram; ou aqueles que fazem tudo sozinhos, mas querem sempre o aval do professor. Ambos precisam mais dos seus pares para se promover, encontrando referências para acreditar que são capazes.

Quando se consegue diferenciar no coletivo aqueles que precisam de atenção especial; aqueles para os quais devemos lançar desafios cada vez mais instigantes, reconhecendo os avanços; e aqueles que nos querem somente porque nos querem, precisam se libertar do professor para avançar, já saímos do estado de miopia inicial e caminhamos em relação ao reconhecimento e ao domínio da classe. Nossas ações podem ser planejadas a partir daí, para que, de forma colaborativa, a classe construa um espírito de entreajuda, pois, se somos inacabados por natureza, somos pela mesma natureza complementares. Por isso, a intenção e a firmeza do professor em seus propósitos são fundamentais para qualificar a ação pedagógica.

O aluno não forma equipe de trabalho por afinidade e/ou de forma aleatória. O professor organiza o trabalho de sala de aula, aproveitando a leitura acurada que ele tem do coletivo, em favor da potencialização das possibilidades de aprendizagem. Essa é a força motriz. E o docente (artesão) é o primeiro a reconhecer essa força e usá-la em favor dos seus propósitos profissionais (intenção pedagógica).

Domínio e firmeza eram o que não faltavam para o meu avô. Talvez seja por isso que, nesse momento, ele me vem à mente. Custou-me entender o que ele queria dizer com uma frase rude, que volta e meia ele repetia. Precisei ser professora e mãe para poder abarcar toda a complexidade daquela única frase.

Creio que seja uma forma lúdica para ilustrar essa temática – havia um lindo riacho cheio de pedras no sítio do vô Luiz*. Pedíamos a vó Maria** (de coração mole) que ela nos permitisse descer o riacho de boia de caminhão. Ela, toda doce, vinha com uma série de argumentos para negar, dizendo que estava frio, que íamos pegar uma gripe e, de repente, vinha uma voz forte do quarto: “Maria, criança pequena não tem querer!”.

*Luiz Manoel Vicente (1918-1990), meu avô paterno e o maior contador de histórias que eu já conheci.
**Maria Domingos Vicente (1926-2012), minha avó paterna e a pessoa mais entusiasmada com quem eu convivi.

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