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07/07/20 Livros

Entre a pressa e a preguiça: o aprendizado da paciência

Quem já passou dos 40 anos e viveu em algum recanto do Brasil experimentou, certamente, exercícios sistemáticos de paciência. Paciência para enviar uma carta e ter de aguardar uns quinze dias a resposta; para esperar aquecer o tubo de imagem da televisão, em seguida ajustar com cuidado as linhas verticais e  horizontais e, ainda, arrumar a esponja de aço que ficava na ponta da antena… Paciência para tolerar os chiados do som “mono”, sonhando com o “estéreo” dos aparelhos 3 em l; para virar o lado dos discos de vinil a fim de ouvir todas as faixas, limpando, de tempos em tempos, a agulha da vitrola ou, de forma artesanal, para desenrolar a fita cassete que se enroscava e comprometia, quase que irremediavelmente, aquela música preferida. Isso não bastando, era necessário aguardar a utilização das 12, 24 ou 36 poses do filme da máquina fotográfica, enviar para a revelação e torcer para que as fotos ficassem boas.

Para muitos, esse relato trata de um tempo longínquo, tão distante que parece de outro mundo. Para outros, apenas a oportunidade de ser testemunha ocular da história. É fato, no entanto, que entre o saudosismo de uns e o espanto de outros não é difícil perceber que as facilidades e a velocidade do mundo moderno acabaram por privar os jovens de oportunidades para exercitar a paciência.

A vida é uma relação com o tempo e, para ser plena, necessariamente, deve ser repleta de planos, sonhos e esperas. A fuga do tempo, na atual lógica do instantâneo, precipita o fim; um fim difícil de decifrar por conta da sua natureza provisória. É similar ao que se faz ao envolver um abacate em um pano ou jornal: acelera-se o amadurecimento, mas compromete-se o sabor da fruta. É evidente, nas novas gerações, a relação de tortura com os ponteiros do relógio, remetendo-nos a pensar que, como adultos responsáveis, nossa tarefa também seja a de ajudar esses jovens a rever a importância do respeito ao tempo na construção do sentido da vida, a importância de ser paciente.

Paciência que nada tem a ver com passividade, mas com a qualidade do que se aprende e se realiza durante a espera, sem perder de vista o horizonte móvel que direciona o nosso deslocamento. Quando se analisa a vida de pessoas que realizaram grandes feitos, em diversos campos, tornam-se evidentes virtudes comuns, como paciência, perseverança e persistência, ou seja, nem pressa nem preguiça. Sobre isso, já nos alertava Paulo Freire**: “ninguém chega lá, saindo de lá”, defendendo, nesse sentido, a importância do desenvolvimento da paciência histórica. Não há mágica para as conquistas humanas. Se algo precisa ser aprendido, é necessário que alguém se disponha a ensinar e, nesses tempos, mais ainda, a dar o testemunho, visto que não há como ensinar algo que antes não se tenha aprendido. Essa dinâmica tacocrácica, cuja raiz tem origem no termo grego tákhos (rápido), que Bauman** intitula de “modernidade líquida”, ressalta, entre outras características, o perigo do consumo descartável como forma de preencher os vazios daqueles que andam somente porque têm pernas. Pessoas assim desenvolvem baixa resistência à frustração e pouca vitalidade para o enfrentamento da realidade. Se for verdade a crença de que a qualidade da escola tem relação direta com a qualidade das pessoas dela egressas, não há como questionar o fato de que no “patchwork curricular” o desenvolvimento de habilidades e competências são retalhos soltos a serem entretecidos, por meio de fios virtuosos, entre os quais se destacam a paciência, a perseverança e a persistência, a fim de dar firmeza e consistência à obra artesanal de cada vida inserida no trabalho educativo escolar.

*Declarado Patrono da Educação Brasileira pela Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012, Paulo Reglus Neves Freire é considerado um dos maiores pensadores da pedagogia mundial.
**Sociólogo e filósofo polonês.

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