(ln)Disciplina escolar: uma questão de postura (parte 1)
Problemas disciplinares do cotidiano escolar, em geral, são tratados de maneira imediatista, sem o circunstanciamento conceitual necessário. Quase sempre o ônus disciplinar se encontra, exclusivamente, na figura do aluno, e é, sem dúvida, onde precisamos ajustar as nossas lentes, encaminhando o foco da análise da (in)disciplina, principalmente como produto da postura docente. À medida que vamos aprofundando um pouco mais o tema – (in) disciplina –, visualizando os desdobramentos e efeitos, percebemos que estamos diante de um acontecimento sustentado por posições éticas (dimensões da relação consigo próprio) e políticas (dimensões da relação com o trabalho histórico dos homens).
Mas o que vem a ser um ato indisciplinado? Como reconhecê-lo, interpretá-lo e administrá-lo? Sabemos, por definição, que o ato indisciplinado é aquele que não está em correspondência com as leis e normas estabelecidas. A partir desse momento, percebemos que ser disciplinado, do ponto de vista escolar, implica decisões éticas e políticas, ou seja, um trabalho sobre si mesmo que é, concomitantemente, a avaliação dos limites impostos e a possibilidade de ultrapassá-los. É do espaço das filas, de cabeça atrás de cabeça, da rotina dos horários, das provas homogêneas, que podem emergir formas de reação que ultrapassem o controle e o poder instituído, para configurar uma dinâmica de ação e reação, de luta contra a submissão, que se expressa nas rotinas e nas relações sociais caracterizando o cotidiano escolar. Predomina a versão de que comportamentos indisciplinados são essencialmente negativos, atrapalham a aprendizagem escolar, revelam falta de educação, ataque ou patologia e devem ser enfrentados por medidas moralizadoras, punitivas ou médico-psicológicas, isto é, uma doença que merece ser conhecida e curada.
Conflitos – A visão ingênua de que a paz é a ausência de todo o conflito não ajuda em nada no enfrentamento desse problema. Muitas dinâmicas no interior da escola que agridem a “boa ordem” retratam, entre outros aspectos, os equívocos dos professores em face das necessidades, interesses e possibilidades dos alunos. Os conflitos vividos, no dia a dia, dentro da sala de aula, podem ser um fértil espaço para a elaboração inteligente, por parte dos professores, de alternativas pedagógicas de cooperação, de reciprocidade, de consideração do singular e de valorização das diferenças.
Cada indivíduo, dentro do ambiente escolar, precisa sentir-se parte integrante e constituinte – copartícipe do processo de construção das regras a serem cumpridas. Para tanto, as ações devem ter suas bases no princípio do respeito a essas regras, e não da obediência subserviente. A apatia diante do cumprimento das regras desenvolve nos alunos uma dependência quase infantil, que os impede de crescer como sujeitos autônomos – condição imprescindível para o exercício da criatividade, do raciocínio e para o amadurecimento das relações. São esses sujeitos autônomos que resistem às formas de imposição, que ajudam a escola a repensar o seu fazer, a sua estrutura e os seus processos, que conseguem adequá-la aos nossos tempos. É necessária uma nova cultura escolar, mais aberta e contemporânea, capaz de considerar todos os participantes do processo educativo como possuidores de experiências importantes a contribuir, desde que encontrem espaço de respeito recíproco e verdadeiro.
Mudança no olhar – Enquanto não conseguirmos fazer essa escola acontecer, nós nos deparamos com atos de (in) disciplina, operando como um efeito de oposição e resistência à homogeneização, vigilância e tentativa de hegemonia. A resistência nos remete a uma força que se opõe a outra, a uma defesa. Com atos de (in)disciplina, os alunos tentam se apropriar e participar de um universo do qual se sentem excluídos. Cabe, pois, aos professores, eliminar práticas escolares humilhantes, ineficientes e insatisfatórias, por meio de encontros e experiências que potencializem comunicações e relações significativas entre os estudantes e com o objeto a ser conhecido. É preciso mudar o olhar, pois, muitas vezes, essas forças, por sua qualidade de agressão e de espontaneidade, e por seu efeito de romper cristalizações, movimentar certezas e resistir à mesmice, são interpretadas como negativas e vividas como persecutórias.