Pesquisa

07/07/20 Livros

“Mofas com a pomba na balaia?”

Atribuir autoria às ideias escritas e disseminadas na internet não é uma atividade simples, quiçá fidedigna. Há quem diga que, na falta de um autor, uma boa frase quase sempre é atribuída a um proverbio chinês…

Viajando pela China, compreendi que isso pode fazer sentido. Afinal, se existe algo que chama a atenção nessa cultura é a relevância que esse povo dá à voz da experiência, nas diversas instâncias sociais. Inspirada nesse modelo, mergulho na sabedoria popular catarinense, que intitula este artigo, para provocar e iluminar a única coisa de que dispomos de verdade enquanto ainda respiramos: o tempo e a forma como decidimos utilizá-lo!

Um dos maiores luxos do nosso tempo é encontrar tempo! Trocadilho? Não. É a mais pura verdade. Luxo é o tempo para fazer as coisas simples da vida, de forma intensa e especial, de maneira a deixar saudade em quem tem o privilégio de desfrutar desse tempo conosco.

Qualquer coisa que receba o atributo de luxo precisa ser rara, encontrada em pequenas doses. E o tempo, sob essa ótica, é um bem precioso, que difere de outros luxos, em essência, pois não pode ser vendido tampouco acumulado. Ou se vive ou se perde! E mais. É entregue para todos, ricos e pobres, na mesma quantidade: 24 horas por dia e ponto-final. Inegociável e intransferível!

Refletir sobre isso nos remete às perdições do nosso tempo: depressão, síndromes, vazios existenciais, filhos e pais perdidos em tempos diferentes. Adolescentes e jovens sintomáticos, em idade escolar, atribuem à causa a “falta de tempo” dos pais de lhes dar a atenção devida (sentimento de carência, abandono) e acabam por encontrar essa atenção, quase sempre, em pessoas que os levam para caminhos viciosos.

Não faz muito, as famílias eram grandes, com mais de cinco filhos. Parece estranho, mas existia a sensação de que os pais conheciam os filhos, um a um, apenas pelo jeito de olhar. O que se perdeu? Sensibilidade? Muitos dos nossos avós chegaram ao Brasil, fugidos da guerra, trabalhavam na lavoura de sol a sol, sem água encanada, luz e tantas outras facilidades da vida moderna. Dizer que a vida era mais fácil? Não sei.

Nesse corre-corre que nos impomos diariamente, quando estamos com os filhos, temos coragem de dizer “Esse tempo é só seu, meu filho!”, sem celulares e demais amarras que nos deixam reféns da verdadeira entrega que nos permite estar inteiros, em cada coisa que fazemos? Não se questiona a quantidade de tempo, e sim a qualidade desse investimento que será capitalizado em favor da educação de cada filho, em favor também de cada pai e cada mãe, que parecem estar sempre em débito com as exigências da paternidade/maternidade. Parece haver, no inconsciente coletivo de pais e mães, um sentimento de culpa generalizado. Se não há como voltar atrás no tempo, há como mudar o rumo daqui para a frente! Paulo Freire* nos ajudava a pensar sobre o tempo quando dizia: “Ninguém chega lá, saindo de lá”.

Comece mudando o rumo das perguntas. Em vez de perguntar como foi a escola hoje, olhe nos olhos dos seus filhos e pergunte: “Como você se sentiu hoje, meu filho? Conte de você,dos seus amigos, das suas alegrias e tristezas”. Saber ouvir é uma virtude e, mais do que isso, empreender uma escuta interessada é o primeiro passo para o nascimento do diálogo. Falar com o seu filho todo mundo fala… Dialogar com o filho é uma responsabilidade de pai e mãe! Necessitamos, portanto, dessa conexão sistemática e organizada no tempo qualificado, para que possamos saber dos nossos filhos. Não é à toa que a raiz etimológica da palavra “saber” está interligada à palavra “sabor”. O sabor de educar se alimenta do saber a respeito de quem educamos.

Quantos pais não se deram conta de que o tempo passou e os filhos cresceram… Esses pais tiveram que amargar a constatação do ditado catarinense na prática: pois não conseguiram “ouvir para conectar um diálogo”, muitas vezes, pela arrogância, pela ganância ou pela falta de priorização do tempo, acabando por receber uma negativa, em alto e bom tom, que diz: “Mofas com a pomba na balaia!**”.

*Educador e filósofo, o pernambucano Paulo Freire (1921-1997) é considerado um dos maiores pensadores da pedagogia mundial. Em 2012, foi declarado Patrono da Educação Brasileira pela Lei n.o 12.612.
**A expressão catarinense “Mofas com a pomba na balaia!” indica que o interlocutor não realizou seu objetivo, ou, ainda, utilizando um ditado mais disseminado: “Pode esperar sentado!”.

Compartilhar no Facebook Compartilhar por WhatsApp

07/07/20

Contrato pedagógico: um pacto entre professor e aluno