A arte da possibilidade é, sem dúvida, um elemento constituinte do perfil de quem pretende exercer a docência no cotidiano escolar. Isso nada mais é do que assumir a responsabilidade pela construção de soluções para os vazios que a ciência, profundamente marcada pela razão, não é capaz de dar conta, no que tange ao refinamento qualitativo da natureza humana, matéria-prima do trabalho escolar. Cada proposta a ser construída somente figurará como solução se o seu cerne representar a captura fiel das relações humanas, investigada a partir do tempo e do espaço nos quais elas acontecem.
Outro viés para abordar a arte da possibilidade é por meio da superação de “situações-limite”, uma categoria freiriana, denominada de “inédito viável”. Trata-se de uma solução latente na “futuridade histórica”, ainda inédita de ação. Para tanto, considera-se o real e o virtual como coisas que não se opõem, estando apenas representados de forma diferente na conjuntura atual – um capturado e o outro disperso. Partindo desse princípio, uma árvore está contida, virtualmente, numa semente. Logo, a semente é virtualmente uma árvore e, à medida que se torna uma árvore, ela se atualiza.
Já no que tange ao potencial humano, sua virtualidade é elástica, pois não nascemos determinados; nascemos apenas e tão somente condicionados. Sendo assim, a expectativa em relação ao espetáculo que podemos fazer com a nossa existência é imensa. Afinar os sentidos para perceber, constatar e intervir de forma a aperfeiçoar a natureza humana é uma virtude, e não um dom. Trata-se de uma força intrínseca, um devir facultado para todos e todas que se permitem “baixar uma nova versão” a cada amanhecer. Atualizar, nesse contexto, significa capturar o virtual e transformá-lo em real observável, de forma genuína, no pensamento (que revela a autonomia), na ação (que revela a obra) e na palavra (que revela a autoria) daquele ou daquela que o faz.
Não há outra forma de construir o caminho da “possibilidade inédita” que não seja caminhando, superando desafios, um após o outro. Um servindo de aprendizado para o outro. “Ninguém chega lá, saindo de lá”, também escreveu Paulo Freire*. E é nesse movimento que uma situação diagnosticada como impossível de ser transposta, em dado momento; em outro, ao ser superada, germina como condição indispensável ao embate recriador do mundo, bem como revitaliza as habilidades e as competências que nos credencia para (co) operar no mundo.
Não há quem não queira se “atualizar” para se incluir nesse universo de relações que é o mundo. Por esse motivo, um dos principais fundamentos que enobrece a alma e constrói a dignidade humana é a capacidade de responder por algo, ou seja, a responsabilidade. Reconhecer-se em uma edificação coletiva requer certa dose de resistência à frustração para assumir todos os erros que não sejam advindos da negligência, mas próprios de quem se coloca em ação e, nesse movimento, se fertiliza ao fertilizar. Pois tão importante quanto saber o que fazer é saber o que não podemos fazer. Nessa dinâmica, catalogar os erros e os acertos tem importância similar. Registrou certa feita Thomas Edison16, que ouviu, por diversas vezes, que seria impossível a realização do seu sonho: “Tão importante quanto inventar a lâmpada elétrica foi inventar 1.430 modos de não a fazer”. E foi por não acreditar na impossibilidade que ele foi lá e fez!