Aprender é ver o que antes não se via
O ser humano nasce condenado a aprender? Se for consenso que aprendizagem é um movimento compulsório do ciclo vital, compartilhamos que se organiza por meio de algumas proposições. As pesquisas de Rui Canário*, na Universidade de Lisboa, validam algumas premissas que sustentam e articulam as ideias propostas para esta reflexão. A premissa inicial é de que não se pode aprender por ninguém, ou seja, a aprendizagem consiste em um trabalho que o sujeito realiza sobre si próprio, instituindo-se como recurso principal da sua própria formação.
Outra premissa dá conta de que a atividade de aprender não pode ser circunscrita a um período de vida. O homem é um ser em potência, inacabado do nascimento à morte, logo, a construção da pessoa está associada diretamente à realização de um conjunto de aprendizagens, de atualização das suas potencialidades e características no constante processo de “hominização”.
Precisamos considerar também a premissa de que a maior parte do que aprendemos não acontece em um ambiente formal nem depende da atividade de ensino; aprende-se em diversos contextos. Trata-se de um processo temporal e espacialmente amplo e difuso que se inscreve na socialização, outro processo amplo e multiforme. Assim sendo, é preciso reconhecer que, fora da escola, é possível encontrar muitos elementos capazes de subsidiar a compreensão de como se aprende – foco da ciência da educação.
Ainda se faz necessário levar em conta a premissa de que a aprendizagem é um processo em que os papéis de quem ensina e de quem aprende podem ser reversíveis. Trata-se, então, de um “círculo virtuoso”, capaz de credenciar os diferentes saberes, permitindo a inclusão de cada sujeito na comunidade educativa.
Assim, podemos sintetizar a aprendizagem a partir da combinação de atividades de autoformação (nós), com atividades de heteroformação (os outros) e atividades de ecoformação (o contexto). Sem dúvida, pouco se questiona acerca do que foi exposto até então, todavia não há como negar o desconforto que nos inquieta e impulsiona à interrogação: como pensar o ofício docente diante dessas proposições? O próprio Rui Canário nos dá algumas pistas para a recriação de uma identidade profissional positiva, reorganizando o perfil do professor em torno de algumas dimensões não hierarquizáveis.
Uma das dimensões a ser articulada no ofício docente é a de um analista simbólico, que, mais do que dar respostas prontas em situações previsíveis, equaciona e resolve problemas em contextos marcados pela incerteza e pela complexidade. A outra dimensão dá conta da vertente artesã, que permite construir e reconstruir, permanentemente, o seu saber profissional. Metaforicamente, refere-se à necessidade de o professor dispor de mais do que uma chave de fenda em sua caixa de ferramentas, pois nem tudo o que encontrará pela frente serão parafusos… O cotidiano docente necessita da mobilização de diversos elementos frente a situações únicas e inesperadas. Como todo ato pedagógico é um ato de comunicação, outra dimensão a ser considerada é a do professor como profissional da relação, em que se acaba investindo a totalidade da sua personalidade, o que explica os elevados níveis de estresse que caracterizam a profissão. E, ainda, o professor precisa se constituir ética e esteticamente como um construtor de sentidos para as situações educativas, aproximando a instituição escolar da diversidade de expectativas e de lógicas de ação dos alunos.
Entretecendo as ideias apresentadas, utilizo-me da escrita de Joaquim Bravo** em um de seus quadros: “Cultura é o que nos fazem. Arte é o que fazemos”. Precisamos de professores cultos, mas, na mesma medida, a alquimia do ofício docente necessita do saber e do querer ser de um artista, capaz de significar o aprender como a possibilidade de ver o que antes não se via.