As tribos, os ritos e os seus códigos
Em nenhum momento da história da humanidade a diferença entre as gerações se fez tão marcante como nos dias atuais. Há uma nítida impressão de que o espaço-tempo tem se encurtado, de forma significativa, entre uma geração e a sua antecessora. Atualmente, um adolescente de 12 anos não se sente pertencente à mesma geração de uma criança de 6 anos. Isso nos faz crer que seja possível encontrar, em uma mesma escola, quatro gerações diferentes, incluindo a dos profissionais da educação.
Para gestar a convivência nesse espaço multigeracional que é a escola, tem-se como exigência o exercício da alteridade, que permite ir além da simples constatação das diferenças, acolhendo, genuinamente, a diversidade existente nas formas de pensar (modelo mental), de se comunicar e de decidir (modelo político) e de agir (modelo operacional). O advento da MTV e, sobretudo, da internet, com os seus inúmeros recursos, acabou por desenvolver um padrão cognitivo de pensamento que difere, significativamente, as novas gerações. Há pesquisadores no MIT e em Harvard que afirmam existirem diferenças físicas nos cérebros das novas gerações, resultantes das formas de interação dessas pessoas com o mundo e no mundo. As alterações são estruturais, não apenas em elementos como as gírias, as roupas, os adornos do corpo e os estilos, como vinha acontecendo nas gerações anteriores, conforme observa Marc Prensky*, em seu artigo Nativos digitais, imigrantes digitais, publicado em outubro de 2001.
Os termos – nativo e imigrante digital – cunhados por esse autor conferem características bem peculiares a esses dois grupos. Denominam-se nativos digitais todos aqueles que nasceram imersos na cultura digital e que, portanto, nem conseguem imaginar o mundo sem controle remoto, filmadoras, celulares, videogames, mensagens instantâneas, música digital e, assim, cresceram tendo livre acesso a um universo tecnológico e suas mídias, pelo qual desenvolveram um apetite voraz. Percebem essa tecnologia como amiga e contam com ela para estudar, trabalhar, descontrair, namorar e comunicar, de preferência, concomitantemente.
São estrangeiros para os imigrantes digitais, os quais não dominam essa língua e, quando se aventuram, falam com o sotaque próprio da idade pré-digital ou analógica. Os imigrantes digitais denunciam o seu sotaque, também, quando acessam as plataformas e redes sociais, pois como não têm fluência escrita na linguagem dos internautas acabam por criticar, pejorativamente, as supressões e as onomatopeias presentes nos textos, desvalorizando qualquer linguagem que se distancie da norma culta, a qual dominam. Eles têm dificuldade de ler na tela e, por isso, imprimem os seus e-mails.
Como resultado desse descompasso emerge o maior desafio dos imigrantes digitais que atuam como profissionais da educação: o de construir estratégias de aprendizagem apropriadas aos falantes nativos da linguagem digital que atribuem valor à velocidade em tempo real, à aleatoriedade do hipertexto, ao acesso a múltiplos canais, à instantaneidade da comunicação, ao trabalho em redes (acessam-se mutuamente) e à descoberta de novas versões e aplicativos. O questionamento que subjaz é: Como calibrar os processos de ensino às novas formas de aprender, de interagir no mundo e de processar as informações próprias dos nativos digitais, a fim de que eles possam se reconhecer no ambiente escolar e, por isso, valorizá-lo?
Para tanto, é fundamental assumir que todo ato pedagógico é um ato de comunicação e que esse ato se torna mais complexo quando as partes envolvidas falam e pensam em línguas diferentes. Muitos nativos digitais não compreendem o que dizem os imigrantes digitais e vice-versa. Promover um movimento de aproximação e respeito se torna necessário para incluir essa nova geração na escola (que foi concebida por e para imigrantes digitais), caso contrário há possibilidade de engrossar os altos índices já diagnosticados de déficit de atenção e/ou hiperatividade, bem como depressão e apatia dos alunos da educação.