A relação dos sujeitos com as regras, princípios e valores, elementos constituintes da moral, tem se apresentado como alvo de grandes questionamentos. Talvez a principal pergunta seja: A quem cabe a formação moral? Somos sabedores de que a família tem um importante papel nesse contexto, porém não é a única responsável. A escola também pode e deve colaborar nessa empreitada, organizando ambientes onde o modo de vida democrático oportunize a vivência da cidadania para o nascimento do respeito mútuo e para o desenvolvimento da autonomia. Temos claro que as atribuições da família e da escola são diferentes, porém complementares, pois ambas perseguem um objetivo comum: que suas crianças e jovens sejam mais sábios e felizes. Nesse contexto particular, em que a escola pode ajudar a família? Turiel*, psicólogo especialista em desenvolvimento, elencou em seus estudos três tipos de educação moral no seio familiar, que podem ajudar a escola a contribuir com os pais para a compreensão das consequências das suas posturas educativas em relação aos seus filhos.
O primeiro tipo, relatado pelo autor, pode ser chamado de educação autoritária, pois se assenta na imposição de regras que são legitimadas por meio de frases como “Faça isso, porque eu sou seu pai (ou sua mãe)”, “Obedeça, porque eu sei o que é melhor para você”, reafirmando uma autoridade sábia e inconteste. Essa é sem dúvida uma postura clássica da educação moral familiar, fortemente contestada nos últimos anos por educadores e filhos.
O segundo tipo é denominado de educação por ameaça de retirada de amor. A razão dessa denominação se traduz em expressões que façam a criança entender que a sua desobediência entristece os pais: “Quando você não faz as tarefas, eu fico muito chateada”. A mensagem de “desamor” está relacionada ao não cumprimento do que foi estabelecido. O terceiro tipo recebe o nome de educação elucidativa, pois toda ordem ou repreensão é acompanhada da explicação de sua razão de ser, em geral baseada na consequência dos atos (responsabilidade) e na consideração do outro. Por exemplo: “Se você mentir, ninguém mais vai acreditar em você”, “Se você não fizer a tarefa, não conseguirá acompanhar as atividades em sala de aula”. O resultado do estudo aponta esse tipo de educação como o que mais colabora para o desenvolvimento da autonomia. Resta, agora, entender o porquê.
Os três tipos de educação moral trabalham os limites: um de forma autoritária, o outro apelando para a afetividade e o último sustentando-os com explicações. A forma autoritária, sem dúvida, consegue a obediência, mas o custo da obediência divorciada da reflexão é muito alto, capaz de comprometer o desenvolvimento da autonomia, ancorando pessoas, às vezes pela vida inteira, no estágio da heteronímia moral – submissas e condicionadas a outrem. A educação por retirada de amor tem o mesmo ingrediente da autoritária: o medo, que muda
de objeto – o medo do abandono substitui o medo da punição. Institucionaliza-se, assim, a simetria no relacionamento familiar: pais e filhos passam a ser “iguais”. Uma verdadeira autoridade, quando desobedecida, não fica triste. Portanto, um pai que se diz chateado com a desobediência de seu filho não está assumindo a autoridade que lhe cabe nessa função. A educação elucidativa apresenta-se como a que mais contribui para a promoção da autonomia moral, pois não se abstém de colocar limites, nem silencia sobre o que é permitido ou proibido. Seu grande diferencial é o de trazer a dimensão racional – a razão de ser das regras e princípios – trabalhando a ideia de que a moral tem fundamentos racionais que podem ser avaliados à luz da inteligência (reflexão).
Em suma, como escreve Yves de La Taille**, em seu livro Limites: três dimensões educacionais, a associação entre limites e justificativas racionais prepara a conquista da autonomia, que pressupõe justamente uma apreensão racional dos princípios e das regras. E ainda vai mais além, esclarecendo que se dar ao trabalho de explicar a razão de ser das ordens significa respeito ao outro, notadamente à sua inteligência. Evidentemente, não se trata ainda de autêntica relação democrática entre iguais, uma vez que as posições de pai/mãe e filho são assimétricas por natureza, mas prepara a criança para que ela alcance e valorize a igualdade, sem a qual a autonomia não faz sentido.