No meio educacional, uma das figuras mais utilizadas para explicar os problemas disciplinares é a “falta de limites”. Sobre esse tema, Yves de La Taille* nos ajuda a refletir com base em três dimensões: os limites a serem transpostos, os limites a serem respeitados e os limites para a intimidade. A primeira dimensão está relacionada à função máxima da intervenção docente: encorajar os alunos a conhecer os seus próprios limites, a fim de transpô-los. Isso é condição para o desenvolvimento humano: crescer é superar limites, construindo estruturas cada vez mais complexas e abrangentes. Essa dimensão assegura, por exemplo, a possibilidade de grandes descobertas, pois, afinal, por meio do rompimento dos limites do seu tempo, os seres humanos modificam a história, inventando, entre outras coisas, a luz elétrica, o avião, o telefone e tantos outros recursos tão importantes no mundo moderno.
A segunda dimensão está relacionada aos limites que precisam ser respeitados; limites criados pelo homem para organizar o mundo social, que trazem em si a ideia do “proibido”. Certamente, não há necessidade de criar uma lei que proíba as pessoas de pisar sobre brasas, mas para uma série de outras situações ela se faz necessária. Nessa dimensão, situamos a nossa liberdade em relação à construção da sociedade. Mas o que é liberdade? Como a construímos? Sabemos que não há como conquistar a liberdade fora do eixo social e político – portanto, ela só existe nas relações interpessoais. Não há como destituir da liberdade o atributo político-social, restringindo-a somente ao atributo da vontade – confundiríamos liberdade com livre-arbítrio. O valor pedagógico da liberdade está diretamente relacionado à importância da responsabilidade.
A terceira e última dimensão, porém não menos importante, refere-se aos limites que precisam ser construídos para preservar a nossa intimidade. Essa dimensão é assegurada na Constituição Brasileira, estabelecendo a diferença entre o privado e o público. O respeito à privacidade e o controle de acesso dos outros à nossa intimidade são condições fundamentais para a construção de uma personalidade sadia e para a conquista da autonomia.
Quando falamos em limites ligados à privacidade, no contexto escolar, faz-se necessário ponderar sobre a maior parte dos conselhos de classe, a fim de avaliar o nível de “desnudamento” da vida do aluno. São abordados, nessa ocasião, a situação financeira da família, o comportamento desse aluno na última festinha da turma, a comparação entre irmãos – inclusive atribuindo à genética os seus problemas comportamentais: “O irmão do fulano já era ‘terrível’ quando estudou na escola!” – e uma infinidade de outros aspectos que configuram uma invasão de privacidade. Bem sabemos o quão difícil é a tarefa docente em um conselho de classe. Porém, é uma oportunidade única, em que todos os professores, reunidos, podem refletir sobre o desenvolvimento de determinado aluno, com o propósito de ajudá-lo a superar seus limites de forma saudável e educativa.
Quando compreendemos as três dimensões educacionais do limite e o conceito de liberdade – associado à responsabilidade –, o maior impasse educativo encontra-se em discernir se o limite é um convite para o outro lado (transposição) ou uma ordem para respeitar as fronteiras. Quanto mais conhecemos os nossos alunos e adentramos o restrito espaço de sua convivência, mais descobrimos que são criaturas ávidas por limites, interessadas pelas descobertas que ultrapassem o óbvio, desde que sejam tocadas pelo professor de forma inteligente, estabelecendo e gerenciando vínculos positivos.
Partindo, então, do pressuposto de que o ser humano, por natureza, é ávido por aprender, salvo patologias, se a intervenção docente obtiver êxito – coordenando a intencionalidade de sua área e a característica diretiva de sua função –, estaremos contribuindo para o desenvolvimento de uma disciplina intrínseca, norteada pela tenacidade e perseverança, qualidades fundamentais do trabalho humano de conhecer.